Entre 236 mil sobreviventes analisados pela maior pesquisa já feita sobre o tema, um a cada três recebeu diagnóstico de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos
Como mostram estudos mundo afora, anormalidades no sistema nervoso fazem parte do amplo rol de efeitos da Covid-19. Publicada nesta terça-feira (6) na revista científica The Lancet Psychiatry, a maior pesquisa já feita sobre o tema traz uma visão mais acurada – e alarmante – a respeito desses sintomas: entre 236 mil ex-pacientes, um a cada três recebeu diagnóstico de doenças neurológicas ou psiquiátricas no intervalo de um semestre após a infecção.
Conduzida por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a investigação se deu a partir de 236.379 prontuários eletrônicos de saúde cadastrados na TriNetX, rede de saúde dos Estados Unidos que inclui mais de 81 milhões de pessoas. Os pacientes da amostra – todos maiores de 10 anos – testaram positivo para o vírus Sars-Cov-2 após o dia 20 de janeiro de 2020 e permaneciam vivos até 13 de dezembro do mesmo ano – data final da análise.
Dentro de seis meses, aponta o estudo, problemas de saúde mental bateram à porta de cerca de 34% dos indivíduos, fato inédito para 13% deles – que não apresentavam histórico de doenças da categoria. Transtornos de ansiedade e de humor lideraram as ocorrências, abarcando 17% e 14% dos casos, respectivamente. Quadros de transtornos por uso de substâncias (7%) e insônia (5%) também foram registrados. Mais raros, desfechos graves incluíram acidente vascular cerebral isquêmico (2,1%), demência (0,7%) e hemorragia cerebral (0,6%).
De acordo com os pesquisadores, a culpa pelos diagnósticos pode ser potencialmente atribuída à Covid-19. É o que sugerem os dados: ao comparar os 236 mil pacientes em questão com 105.579 indivíduos diagnosticados com influenza, a análise revela que o risco de quadros neurológicos foi 44% maior para o primeiro grupo.
A incidência também se mostrou 16% superior entre os que foram infectados pelo novo coronavírus, em relação à uma terceira amostra com 236.038 pessoas afetadas por qualquer infecção do trato respiratório. “Nossos resultados indicam que doenças cerebrais e transtornos psiquiátricos são mais comuns após infecção por Covid-19 do que após gripe ou outras infecções respiratórias, mesmo quando pacientes são combinados para outros fatores de risco”, afirma Max Taquet, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Oxford e co-autor do estudo, em comunicado à imprensa.
Casos graves – e um alerta
Segundo o estudo, os riscos de transtornos psiquiátricos ou neurológicos podem ser maiores entre pacientes que enfrentaram quadros graves de Covid-19. Enquanto essas ocorrências tiveram incidência geral de 34%, indivíduos que foram internados quando estavam com o Sars-CoV-2 viram esse número subir para 38%. Entre os que precisaram de terapia intensiva, a taxa foi ainda maior: 46%. O índice só perdeu para o dos que tiveram encefalopatia (termo usado para doenças difusas cerebrais que provocam alterações em sua estrutura ou função) durante a infecção, dos quais 62% desenvolveram problemas neurológicos.
Desfechos graves também tiveram maior predominância entre esses pacientes. Enquanto apenas 0,9% das pessoas que não foram hospitalizadas para tratar a Covid-19 receberam diagnóstico de demência após a doença, quadros do transtorno psiquiátrico foram observados em 4,7% daqueles que, durante a infecção, tiveram encefalopatia.
Ainda que não revele os mecanismos biológicos por trás da relação entre a Covid-19 e a saúde mental, para os autores da análise, o estudo aponta a necessidade urgente de pesquisas sobre o tema – só assim, defendem os pesquisadores, esses quadros poderão ser evitados com antecedência.
“Embora os riscos individuais para a maioria dos distúrbios sejam pequenos, o efeito em toda a população pode ser substancial para os sistemas de saúde e assistência social devido à escala da pandemia e ao fato de muitas dessas condições serem crônicas”, alerta, em nota, Paul Harrison, principal autor da pesquisa. “Como resultado, os sistemas de saúde precisam de recursos para lidar com a necessidade prevista, tanto nos serviços de atenção primária quanto secundária”, afirma o pesquisador de Oxford.
Fonte: Revista Galileu