O álcool é um “bem essencial” durante a pandemia de COVID-19?

O álcool é um bem essencial durante a pandemia? Artigo discute as repercussões em países que proibiram a venda de álcool e países que não o fizeram durante o período de isolamento social.

Durante a pandemia de COVID-19, alguns países baniram a venda de álcool, enquanto outros declararam as bebidas alcoólicas como bens essenciais, garantindo sua disponibilidade durante o isolamento social. Artigo publicado em julho de 2020 na revista Alcoholism1 discute as consequências dessas ações para a saúde pública, mostrando que nenhuma das ações garantiu resultados isentos de efeitos colaterais. 

Os países que introduziram proibições totais de comercialização de álcool (por exemplo, África do Sul, Tailândia, Índia e México) fizeram-no com o objetivo de minimizar os riscos de violência doméstica influenciada pelo álcool em regime de isolamento, diminuir os danos à saúde relativos à substância e prevenir o vírus de se espalhar ainda mais, porque os indivíduos sob efeito de álcool podem não praticar distanciamento físico e higiene pessoal adequados2.

No entanto, a proibição total do álcool, embora baseada em preocupações com a saúde pública, produziu, em certos casos, efeitos deletérios. A França, por exemplo, teve que revogar sua proibição de vendas em 24 horas para evitar o desencadeamento de efeitos de abstinência em pessoas com dependência de álcool3. No México, onde a venda de álcool foi proibida em várias regiões, centenas de intoxicações por ingestão de álcool ilegal contaminado por metanol ocorreram desde maio, matando cerca de 200 pessoas4.

Além disso, durante a pandemia, muitas crenças falsas foram difundidas em relação ao álcool e a COVID-19, especialmente em relação aos supostos benefícios que o consumo de álcool traria à saúde. Intoxicações em massa por metanol (um tipo de álcool mais barato, com cheiro semelhante ao álcool para consumo e de efeito inebriante bastante utilizado para fazer bebidas ilegais, e altamente tóxico) ocorreram no Irã, um país severamente afetado pela pandemia e em que o álcool é ilegal, após rumores de que a substância afastaria o vírus (pelo menos 5.000 envenenamentos e mais de 700 mortes relatadas. Em algumas localidades do país, houve mais mortes por envenenamentos do que por COVID-195. Intoxicações semelhantes por metanol ocorreram no Azerbaijão e na Turquia enquanto os consumidores tentavam se proteger contra o vírus através da ingestão de álcool vendido ilegalmente. Para combater essas suposições perigosas, a OMS publicou materiais afirmando que a ingestão de álcool não destrói o SARS-CoV-2, mas na verdade, apenas facilita a infecção e piora o seu curso, pois enfraquece o sistema imunológico6.

Já outros países, principalmente de alta renda, declararam o álcool como um bem “essencial”. Varejistas de álcool foram incluídos nas listas de “serviços essenciais” no Canadá, Nova Zelândia, EUA e Reino Unido e autorizados a permanecer abertos durante o bloqueio. Em um cenário onde as oportunidades de compra reduzidas devido ao fechamento de bares e restaurantes podem ter sido compensadas pelo consumo em casa, dados preliminares indicaram aumentos nas vendas de 14-28% em países como o Reino Unido e os EUA nas primeiras semanas da pandemia7; tanto a estocagem de bebidas quanto o afrouxamento dos regulamentos de disponibilidade de álcool para permitir vendas online e serviços de entrega teriam contribuído para este aumento1.

Este aumento pode ter impactos negativos sobre a saúde da população destes países. Desse modo, os autores do artigo sugerem que o álcool seja considerado essencial apenas quando usado para desinfecção1. Embora apenas soluções contendo 60% de álcool sejam normalmente recomendadas para tal propósito, evidências recentes apontam que o etanol e o isopropanol inativam com eficiência o SARS-CoV-2 em 30 segundos a uma concentração maior que 30%. Portanto, destilados comerciais (que contêm cerca de 40% de álcool) poderiam ser adequados para desinfecção caso nenhum outro desinfetante esteja disponível1.

No entanto, informações claras sobre o uso seguro e armazenamento de desinfetantes à base de álcool são necessárias, porque aumentos substanciais nas intoxicações devido à ingestão de álcool e produtos de limpeza doméstica já foram registrados em alguns países, incluindo acidentes com crianças1. Por isso, ainda que o álcool utilizado para desinfecção seja o mesmo utilizado para consumo, é preciso utilizá-lo com segurança.

Referências:

  • 1. Neufeld M, Lachenmeier DW, Ferreira-Borges C, Rehm J. Is Alcohol an “Essential Good” During COVID-19? Yes, but Only as a Disinfectant! Alcoholism, Clinical and Experimental Research. 2020 Jul. DOI: 10.1111/acer.14417.
  • 2. Rehm J, Kilian C, Ferreira‐Borges C, Jernigan D, Monteiro M, Parry CDH, Sanchez ZM, Manthey J. Alcohol use in times of the COVID 19. Implications for monitoring and policy. Drug Alcohol Ver. 2020;39:301–304.
  • 3. The Local UPDATE: Halt on French local authority’s alcohol ban during lockdown [Online]. 2020. Disponível em: https://www.thelocal.fr/20200324/french‐local‐authority‐bans‐sale‐of‐alcohol‐during‐lockdown. Acesso em 03/09/2020.
  • 4. Mexico News Daily. Adulterated liquor has killed 189 people since May 1. [Online]. 2020. Disponível em: https://mexiconewsdaily.com/news/adulterated‐liquor‐has‐killed‐189‐people‐since‐may‐1/. Acesso em 03/09/2020.
  • 5. Farmer B.Toxic alcohol kills more than 700 in Iran following false reports it wards off coronavirus. [Online]. 2020. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/global‐health/science‐and‐disease/toxic‐alcohol‐kills‐700‐iran‐following‐false‐reports‐ward‐coronavirus/. Acesso em 03/09/2020.
  • 6. World Health Organization Regional Office for Europe. Fact sheet ‐ Alcohol and COVID‐19: what you need to know. [Online]. WHO Regional Office for Europe, Copenhagen, Denmark. 2020. Available from: http://www.euro.who.int/en/media‐centre/sections/fact‐sheets/2020/fact‐sheet‐alcohol‐and‐covid‐19‐what‐you‐need‐to‐know. Acesso em 03/09/2020.
  • 7. Nadkarni A, Kapoor A, Pathare S. COVID‐19 and forced alcohol abstinence in India: the dilemmas around ethics and rights. Int J Law Psychiatry. 2020;71:101579.

FONTE: CISA (CENTRO DE INFORMAÇÕES SOBRE SAÚDE E ALCÓOL)

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